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(...) o que me parece mais plausível é a suposição de que o homem inventou a linguagem instintivamente, uma vez que há nele, desde sua origem, um instinto por meio do qual, sem reflexão ou intenção consciente, produz os instrumentos e órgãos indispensáveis para o uso de sua razão.
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Às vezes falta em uma língua a palavra para um conceito, embora ela se encontre na maioria das outras, ou mesmo em todas (...) Às vezes ocorre também que uma língua estrangeira expresse um conceito com sutileza que a nossa própria língua não lhe dá, de modo que o pensamos apenas naquela língua com tal sutileza. (...) É por isso que todas as traduções são imperfeitas. Quase nunca é possível traduzir de uma língua para outra qualque frase ou expressão característica, marcante, significativa de tal maneira que ela produza exata e perfeitamente o mesmo efeito. (...) Poemas não podem ser traduzidos, mas apenas recriados poeticamente; e o resultado é sempre duvidoso.
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(...) a língua é, para o espírito de uma nação, o que o estilo é para o espírito de um indivíduo. [Dominar realmente várias novas línguas e lê-las com facilidade é um meio de se livrar das limitações nacionais que, de outro modo, ficam marcardas em cada pessoa. (Nota do Autor)]
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(...) no aprendizado de cada língua estrangeira formam-se novos conceitos para dar sentido a novos signos; distinguem-se certos conceitos que antes constituíam juntos um conceito mais amplo, portanto mais indeterminado, exatamente porque só havia uma palavra para eles; relações que não eram conhecidas até então são descobertas, porque a língua estrangeira designa o conceito por meio de um tropus ou metáfora que lhe é peculiar. Assim, mediante a língua aprendida, toma-se consciência de uma quantidade infinita de sutilezas, semelhanças, diferenças, relações entre as coisas. Nosso pensamento ganha, com o aprendizado de cada língua, uma nova modificação e tonalidade, de modo que o poliglotismo, além de ter várias utilidades indiretas, é também um meio direto de formação espiritual, pois aperfeiçoa e corrige nossas apreciações com a introdução da pluralidade e das sutilezas dos conceitos, aumentando também a flexibilidade do pensamento à medida que o conceito se torna cada vez mais livre da palavra com o aprendizado de várias línguas.
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Só escrevendo em latim se aprende a dicção como uma obra de arte, cuja matéria é a língua, que por isso precisa ser tratada com o maior cuidado e a maior delicadeza. A partir de então se dedica atenção mais aguçada ao sigificado e ao valor das palavras, ao seu conjunto e às formas gramaticais; aprende-se a pesar essas coisas com exatidão e, assim, a manejar o precioso material apropriado a servir para expressão e conservação de pensamentos valiosos.
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É correto, e mesmo necessário, que a provisão de palavras de uma língua seja aumentada no mesmo passo em que aumentam os conceitos. Em contrapartida, se aquilo acontece sem isso, trata-se apenas de um sinal da pobreza de espírito de quem gostaria de levar alguma coisa para o mercado e no entanto, como não tem nenhum pensamento novo, vem com novas palavras. Essa maneira de enriquecer a língua está agora na ordem do dia e é um sinal dos tempos. Mas novas palavras para velhos conceitos são como uma nova cor aplicada a uma velha roupa.
De passagem e apenas porque o exemplo está tão próximo, note-se aqui que só se deve usar "isso e aquilo" quando cada um dos termos está no lugar de mais de uma palavra, como no parágrafo anterior, mas não quando se referem a apenas uma. Nesse caso é melhor repeti-la (...)
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Desprezamos a escrita chinesa. Mas a tarefa de toda escrita é despertar conceitos na mente do outro, por meio de sinais visíveis, é evidente que se trata de um grande desvio apresentar aos olhos, em primeiro lugar, apenas um signo do signo auditivo, e fazer dele o portador exclusivo dos conceitos. Com isso, a nossa escrita com letras se reduz a um signo do signo.
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As consoantes são o esqueleto, e as vogais, a carne das palavras. O esqueleto é (no indivíduo) inalterável, e a carne, muito mutável, em termos de cor, qualidade e quantidade. Com isso, as palavras conservam, à medida que são modificadas pelos séculos ou passam de uma língua para outra, o conjunto de suas consoantes, mas suas vogais se alteram com facilidade; é por esse motivo que, na etimologia, deve-se atentar muito mais para aquelas do que para essas.
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Recortes (finais) do livro A arte de escrever, de Arthur Schopenhauer.
Releeia as postagens anteriores:
- Sobre a erudição e os eruditos
- Pensar por si mesmo
- Sobre a escrita e o estilo (Parte I)
- Sobre a escrita e o estilo (Parte II)
- Sobre a erudição e os eruditos
- Pensar por si mesmo
- Sobre a escrita e o estilo (Parte I)
- Sobre a escrita e o estilo (Parte II)
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