I - A menininha e o outono
Acorde, menininha. Já é outono e o calor da sua cidade já não está mais tão escaldante como antes. É hora de ver pelas vielas de pedra os tapetes coloridos de folhas caídas. Alguém mandou te dizer que você deve voar. Voe! Respire os ares que você aprecia, busque um pouco de nuvens para acariciar o seu rosto. Voe e não perca a oportunidade de fazer parte da bela imagem que as cores do entardecer produzem no céu sobre aquele rio.
Acorde, menininha. Respire e agradeça pela sua vida, pela oportunidade de abrir os olhos e enxergar a luz de mais um dia. Muitas menininhas não poderão fazer isso hoje... É outono, sinta a brisa que sopra agora mais fria e deixa as noites e o dia mais agradáveis. Alguém mandou te dizer para você não desistir dos seus sonhos, mas alegrar o seu coração e lutar por cada um deles (por mais impossíveis que eles lhe pareçam); alguns até já ameaçam acontecer, mas você não consegue ver. Porém, ignore a ansiedade que quer te invadir.
Acorde, menininha. Esse é só o início do outono e suas canções preferidas estão tocando, uma após a outra. Belas histórias - aquelas que te levam para longe da suja realidade - estão sendo contadas. Palavras... Palavras de amor e de consolo mandaram te dizer, porque para alguém você é a menina dos olhos: intocável, tão querida e muito amada, admirada inclusive. Cante! Chore; chore de alegria; expresse seus sentimentos e arranque toda angústia do seu peito. Os ventos da estação estão querendo propagar sua voz.
Acorde, menininha! Já é outono. É o seu outono! Acredite. Acredite com a fé de uma criança e você poderá ver aquelas montanhas se moverem; elas sairão do seu caminho, serão lançadas ao mar e você verá o horizonte num belo nascer de um sol de outono. Simplesmente acorde, menininha, mas não pare de sonhar.
II - O amigo do tempo
Não se preocupe com o tempo, meu amigo. É evidente que ele vai passar. Quanto mais você se preocupa, menos você consegue aproveitá-lo.O importante mesmo é acreditar, ter fé, pois o mais relevante não é o que você vê agora. Já parou para pensar que as coisas mais duráveis, as mais valiosas são as que você não consegue ver?
Aprenda a ser paciente, meu amigo. A ansiedade só vai te matar. Os minutos passam sim, às vezes parece que rápido, às vezes muito devagar; o importante é o que você está fazendo com eles, pois, de jeito algum, eles irão voltar.
Quer um conselho, amigo? Esqueça que há um fim, mas não se preocupe tanto com as exigências do agora. Lembre-se de que a vida acontece com um dia após o outro, bastando a cada dia o seu mal. O que isso quer dizer? Que se algo te incomoda ou se você sente algo negativo, e nesse meio-tempo o sol nasce e se põe muitas vezes, é sinal de que as coisas vão piorar, e aquilo que era apenas uma ferida superficial, pode tornar-se uma enfermidade na alma. Trate de curar os seus males enquanto há tempo... Observe o sol...
Seja sóbrio, amigo. Busque a paz e o equilíbrio. Essa sim é uma dica importante: saber dosar as coisas; embora a esperança e principalmente o amor precisem permanecer infinitos. Isso sim não é coisa fácil de se fazer neste tempo em que você vive, amigo.
III - O lugar vazio
Era uma vez (e muitas vezes acontece), num lugar deserto e distante (mas também ao nosso redor), um homem comum decidiu seguir em direção a outro lugar. Tomara esta decisão, pois não aguentava mais a vida sofrida que levava, embora não tenha sido sempre assim; as coisas mudaram rapidamente em sua vida.
Sair de onde vivia não era fácil: o lugar agarrava seus pés como a terra agarra as raízes de uma árvore. Mas há árvores que procuram mergulhar na terra, já outras apenas se alastram superficialmente: o vento sopra forte em sua copa e o tronco, balançando, parece querer correr dali e dessa forma as raízes vencem a batalha e se libertam. Mas essa não é uma história sobre árvores e sim sobre humanos.
Vencida a guerra contra sua terra, o homem comum saiu em direção ao horizonte esfumaçado. Nem percebeu que deixara para trás algo de que não poderia jamais se desfazer, algo que o acompanhava desde sua infância, caso contrário, sua alegria seria limitada. Mesmo assim partiu. Caminhava para onde seus olhos pudessem enxergar, parecia sem direção, mas sabia onde queria chegar, pois tinha sonhos com aquele lugar e muito já havia ouvido sobre ele.
A caminhada parecia não ter fim, mas desistir e voltar atrás não eram pensamentos que tomassem espaço em sua mente, pois sabia que existia, em alguma parte, este lindo lugar, repleto de flores, frutos, águas límpidas e calmas - uma nova terra em que poderia fincar suas raízes e finalmente descansar, viver em paz.
Houve um momento, numa noite fria e sem luar, em que os pés do homem comum, já bem cansados, começaram a tropeçar. Seus olhos, já sem esperanças, encheram-se de lágrimas. Parou, lançou-se à areia ainda quente do sol, e chorou sem consolo. Chorou, chorou até se lembrar de que algo estava faltando. Sentiu a ausência daquilo de que jamais poderia se desfazer. Mas não havia nem forças e nem mantimentos suficientes para retroceder em sua viagem. E em meio às lágrimas que já deixava a areia úmida, adormeceu sob as luzes que os raios formavam no céu. Um espetáculo gracioso.
Ao acordar com o forte brilho do sol, o homem comum pensou ainda estar dormindo: avistava um lindo horizonte, cheio de cores, pássaros voando e um lindo rio que passava por bosques de árvores frutíferas e frondosas. Passou a mão fortemente sobre os olhos que, após abertos, arregalaram-se. Não estava sonhando, estava às portas do seu tão desejado destino, e quando foi se pôr de pé para correr e finalmente chegar àquela terra, faltou-lhe forças, faltou-lhe alegria.
Caminhou lentamente, pisoteou as primeiras gramíneas e começou a observar aquele lugar. Não havia árvores, não havia céu azul, não havia animais, nem pessoas, nem água - era um lugar vazio. O homem comum postrou-se diante daquela visão e gritou no meio do nada... Nem pôde ouvir o som da sua voz, mas o seu pensamento ecoou longe, como se estivesse lembrando de alguma coisa. Levantou-se, deu uns cinco passos para trás e começou a enxergar tudo novamente como era. Notou um objeto próximo a seus pés. Apanhou-o. Era um pequeno candelabro de ouro. Viu próximo a ele mãos que haviam se esforçado para segurá-lo como pela última vez, porém, eram apenas ossos secos, cobertos pela areia do deserto. Afastou-se daquela coisa terrível, mas não largou o objeto.
Sentiu que sua força começava a voltar e seu coração não estava mais pesado e dolorido. No candelabro havia uns escritos, letras delicadamente desenhadas no ouro. Não conseguia entender, pois não estava em seu idioma, mas lembrou-se imediatamente das palavras que havia escrito naquilo que deixara para trás. Eram estas:
Se você não estiver comigo, por favor, não me deixe sair daqui.
Só a sua presença é que pode me fazer feliz.
Jamais haverá cor e luz sem a sua presença.
Após isto, olhou novamente para os ossos e teve a certeza de que aquele era o seu fim: lançado no pó, encoberto pelo deserto. Pisoteou mais uma vez a grama verde e tomou um susto! Havia árvores, havia céu azul, pessoas, água - não era mais um lugar vazio. E também havia animais, animais grandes que vinham agora correndo em sua direção, raivosos, famintos. "Esse é o meu fim, agora serei apenas ossos!", pensou cerrando os olhos (mais uma vez o homem comum perdia um verdadeiro espetáculo por estar com os olhos fechados!). O sol havia iluminado de tal forma aqueles dizeres no candelabro de ouro que estava em suas mãos que os animais saíram em disparada, ofuscados.
O homem comum permaneceu uns dez segundos com os olhos apertados, esperando pelas mordidas que o matariam. Abriu lentamente um dos olhos, sentiu uma brisa acariciar o seu rosto... O lugar onde estava era inacreditavelmente lindo. O candelabro ardeu em suas mãos e em seus ouvidos havia um sussurro que dizia:
Sei que você precisava sair dali.
Sei que precisava chegar até aqui.
Sei que em seu coração você não me esqueceu, por isso sempre estive contigo e te deixei ir.
Minha presença é o que te dava forças para caminhar e te fazia feliz.
Você sempre teve a certeza de que jamais haveria cor e luz sem a minha presença, mas eu estou aqui.
Entre, pois este é o lugar que preparei para você firmar suas raízes.
Isso não é um sonho.
Seja feliz.
Eu estou aqui!
IV - O esconderijo
Que cheirinho deicioso de chuva! Ele se junta ao agradável aroma de chá que vem da cozinha, fazendo uma combinação perfeita, e o clima fica bucólico, nem parece que estou na cidade. E esse friozinho, atípico na primavera, faz-me recolher para refletir. Aliás houve, em todas as estações deste ano, acontecimentos atípicos. Foi um ano de mudança, ou melhor, das mudanças, dos descobrimentos, de passos ousados e de superações. Foi um ano de desprendimentos dolorosos e inesperados.
Porém, ninguém sabe disso, mas foi neste ano que encontrei, dentro do meu quarto, uma passagem secreta. Que emoção foi descobrí-la! Ela me leva para um lugar que denomino de "Esconderijo do Altíssimo". A passagem é bem estreita (talvez por isso eu não tenha a visto antes) e só consigo passar para lá me ajoelhando...
Lá há uma sombra gostosa que me faz descansar. Lá derramo minha lágrimas, leio livros, escrevo, falo ou canto milhares de palavras sinceras. Lá tenho consolo e paz e de lá retorno renovada, fortalecida e, por diversas vezes, surpreendida. Lá eu tenho coragem de encarar as verdades que doem. Sempre que estou de olhos fechados sinto a presença amorosa de mais alguém neste lugar. Ele vem até mim, posso tocar os seus pés; às vezes ele segura forte as minhas duas mãos, como um grande amigo, mas às vezes me dá a oportunidade de larçar-me em seus braços, como um pai protetor, e neles permaneço calada, recebendo seu afago, seu consolo.
Tem uma brisa fria e suave entrando pela minha janela agora. Ela desliza por minhas costas cansadas. A noite já está quase virando madrugada e os muitos pensamentos que cavalgam em minha mente chegam a quebrar esse silêncio agudo que se faz aqui.
Termino o meu chá, assim como termino mais um dia. É hora de correr para lá (isso me lembra tanto o querido C.S. Lewis...), quando voltar será hora de dormir, de mergulhar em outro misterioso mundo - o dos sonhos, até que no seu horizonte amanheça um novo dia...
Ela é uma boneca de barro que ganhou alma para ser personagem de um filme, uma animação, um tanto desanimada...
Ela anda pelas ruas com suas sapatilhas e uma flor na cabeça. Enquanto caminha, sente o vento em sua tez e se pergunta se ela é uma flor ou uma borboleta, lembrando que um dia já foi até estrela. Ela continua andando, parece flutuar...
Pensava assim: “Não sei se sou flor, não sei se sou borboleta. Borboletas foram feitas para voar, mas estou parada, como uma flor... Sendo flor, murchei no inverno e renasci na primavera. Sendo borboleta, estive me distanciando, já há várias estações, de um jardim que não era bem cuidado. Tentei voltar para esse jardim, mas fui expulsa de lá. Hoje estou sem voar, só observando a movimentação ao meu redor, ou esperando por um vento que me leve embora para onde não sei... Prefiro me enxergar como flor. Meu talo foi envergado por suportar um grande peso, um terrível fardo, por se contorcer de tanta dor, mas o Criador não me deixou quebrar e refez as minhas pétalas em plena primavera, antes mesmo de tudo isso passar... Dizem que as borboletas sempre voltam para o mesmo jardim... Não sei se quero voltar outra vez para o jardim de onde fui expulsa quase que duas vezes.”
Desistiu de se definir como borboleta ou flor. A boneca de barro quer ser chamada de estrela...
Em sua vida Deus é o cineasta, o autor desse filme, mas também é ator, diretor, figurante, e às vezes é apenas um espectador.
Ela ganhou alma e raciocínio e aprendeu a problematizar as suas dúvidas... Quem diria que essa bonequinha age racionalmente?
Seu batom vermelho se une aos traços negros dos seus olhos e denunciam uma menina vestida de mulher; alguém que codifica seu exterior enquanto se desdobra para decodificar o seu interior. Ela começa a ponderar seus sentimentos, a frear seus impulsos, a ouvir seu coração, mas filtra o que ele diz e até o cala quando necessário. Lutar contra um amor inútil não é nada fácil.
V - A Estrela de Barro
Ela é uma boneca de barro que ganhou alma para ser personagem de um filme, uma animação, um tanto desanimada...
Ela anda pelas ruas com suas sapatilhas e uma flor na cabeça. Enquanto caminha, sente o vento em sua tez e se pergunta se ela é uma flor ou uma borboleta, lembrando que um dia já foi até estrela. Ela continua andando, parece flutuar...
Pensava assim: “Não sei se sou flor, não sei se sou borboleta. Borboletas foram feitas para voar, mas estou parada, como uma flor... Sendo flor, murchei no inverno e renasci na primavera. Sendo borboleta, estive me distanciando, já há várias estações, de um jardim que não era bem cuidado. Tentei voltar para esse jardim, mas fui expulsa de lá. Hoje estou sem voar, só observando a movimentação ao meu redor, ou esperando por um vento que me leve embora para onde não sei... Prefiro me enxergar como flor. Meu talo foi envergado por suportar um grande peso, um terrível fardo, por se contorcer de tanta dor, mas o Criador não me deixou quebrar e refez as minhas pétalas em plena primavera, antes mesmo de tudo isso passar... Dizem que as borboletas sempre voltam para o mesmo jardim... Não sei se quero voltar outra vez para o jardim de onde fui expulsa quase que duas vezes.”
Desistiu de se definir como borboleta ou flor. A boneca de barro quer ser chamada de estrela...
Em sua vida Deus é o cineasta, o autor desse filme, mas também é ator, diretor, figurante, e às vezes é apenas um espectador.
Ela ganhou alma e raciocínio e aprendeu a problematizar as suas dúvidas... Quem diria que essa bonequinha age racionalmente?
Seu batom vermelho se une aos traços negros dos seus olhos e denunciam uma menina vestida de mulher; alguém que codifica seu exterior enquanto se desdobra para decodificar o seu interior. Ela começa a ponderar seus sentimentos, a frear seus impulsos, a ouvir seu coração, mas filtra o que ele diz e até o cala quando necessário. Lutar contra um amor inútil não é nada fácil.