
Ele é um organismo enraizado no centro da cidade, mas as células que o compõem estão bem vivas e em constante movimentação. Cabeça, tronco e membros. É desse modo ele se apresenta: centro administrativo, praça de alimentação, boxes e ambulantes. Em suas veias, corre o suor de gente boêmia e criativa e o dinheiro de gente curiosa. Sua aparência é de menino, mas sua alma é de quem já tem mais de um século de vida e não cuidou bem da saúde. Assim é o Mercado de São José: rejuvenesceu fisicamente, mas continua velho em sua essência.
Ao completar 132 anos de existência, ganhou um trato na aparência, mas não foi presente de aniversário, foi apenas parte do projeto “Ano do Turismo”, da Secretaria de Turismo do Recife. Juntos, Prefeitura, Fundação Banco do Brasil e Ministério do Turismo investiram mais de R$ 1 milhão em instalação de iluminação cênica na fachada, placas de sinalização em português, inglês, francês e espanhol, banheiros para portadores de necessidades especiais, recuperação de esquadrias, telhado e pintura. Além disso, o mercado ganhou dois novos órgãos para funcionar no seu velho e cansado corpo.
Quase que escondidos e dividindo o mesmo recinto, o Centro de Informações aos Turistas e o Espaço da Cultura Popular representam a modernização no mercado. Portas de vidro, ar-condicionado e computador fazem o ambiente onde estão instalados se distanciar do odor dos frutos do mar e do cenário rústico das vias de pedra. O Centro de Informações é decorado com o maior atrativo turístico do lugar: artesanatos comprados no próprio estabelecimento, como banquinhos de palha, caboclo de lança, bonecos de barro e madeira. Para recepcionar os turistas, revezam-se estagiários do curso de Turismo, contratados pela Prefeitura, sob a exigência de falarem dois idiomas além do português. Até o momento, o Centro apurou que argentinos, ingleses, italianos, franceses e espanhóis são os estrangeiros que mais visitam a cidade. As informações mais buscadas são sobre eventos culturais, igrejas e sobre quais ônibus pegar para se dirigir até as praias, sobretudo, Porto de Galinhas.
Passando a bancada de informações, entramos em uma espécie de museu. É o Espaço da Cultura Popular, que sobrevive do Núcleo de Empreendimentos em Ciência, Tecnologia e Artes (Nectar), encarregado de realizar exposições trimestrais com artistas populares do Nordeste e com elementos que retratem o espaço público e o bairro de São José, entre outras mostras culturais. O tema da atual exposição é: “Mercado São José: Patrimônio Vivo da Cultura Nordestina”. Nas vitrines, é possível encontrar, entre outras coisas, artigos do acervo de Liêdo Maranhão, 83, amigo íntimo deste senhor chamado Mercado São José, que nos últimos 40 anos tem se dedicado a pesquisar e colecionar artigos ligados à cultura popular.
O velho mercado fez barba, cabelo e bigode para impressionar as centenas de turistas que chegariam à cidade neste “Ano do Turismo”. Mas onde eles estão? O comerciante Paulo Cavalcanti, que há 45 anos ocupa um boxe rodeado de lembrancinhas para o turista, é categórico: “O turismo não aumentou em nada!” Ele diz ainda que o mercado tem nome e tradição suficientes para não temer a concorrência com as atrações de Olinda e dos shoppings, mas desabafa: “Nenhum estabelecimento comercial sobrevive sem propaganda, o Mercado de São José precisa de divulgação.” Paulo mostrou sua indignação quanto à estruturação do local: “Basicamente não há estacionamento nem para o comerciante nem para quem vem comprar”. Este também é o sofrimento do taxista Cícero de França, que se esforça para encaixar seu carro e esperar um passageiro. E essa não é sua única dificuldade: “Muitos táxis que circulam por aqui são irregulares. Não há fiscalização e por isso muitos condutores não se preocupam com a apresentação para melhor receber o cliente, o turista”. Cícero revela que a Casa da Cultura paga comissão para o taxista que leva o visitante para lá e diz que falta este incentivo por parte do mercado. “Se eu depender do turismo aqui no mercado, me dou mal!”, conta Cícero, que tomava uma multa enquanto concedia a entrevista. “Isso é o que a Prefeitura sabe fazer”, foram suas últimas palavras antes de sair aflito para argumentar com o guarda de trânsito. Para Luciana Alves, que teve este “Ano do Turismo” como seu primeiro ano trabalhando no mercado, o diferencial do lugar é vender mais barato. “Para pagar a comissão do taxista, é preciso aumentar o preço, e o comerciante daqui não quer isso”, diz. Carnaval e férias foram as épocas em que Luciana mais vendeu, não porque era “Ano do Turismo”, mas sim porque é na alta estação que o turista aparece, seja ele estrangeiro ou de outras regiões do país.
Pergunto a Daniela Lopes, 19, uma das estagiárias do Centro de Informações, se os turistas mostram-se insatisfeitos com alguma coisa, ela responde: “A satisfação total é algo muito difícil, mas a maioria dos turistas é previamente preparada pelas agências de viagem em relação à nossa realidade e isso os ajuda a não ficarem tão chocados com as nossas deficiências”. Marli Abreu é de Fortaleza e da última vez que veio ao Recife, o mercado ainda não havia sido reformado. Ela elogiou a mudança, mas como cuidar só da aparência não garante a saúde de um corpo, quais as cirurgias pelas quais o senhor mercado deve se submeter para se manter forte por mais anos?
O economista e consultor de marketing Paulo Barreto identifica as principais reformas que deveriam ser feitas: padronização dos setores e boxes, separando-os por modalidade de venda e produtos, no intuito de melhorar a circulação de pessoas e a visualização das mercadorias. Para tornar o ambiente mais agradável, reduzir a poluição sonora e visual interna e ao redor do mercado e transferir a área de alimentos perecíveis, sobretudo peixes e frutos do mar, emissores de odores e resíduos orgânicos, para o ambiente externo ao mercado. Em relação ao lixo, o consultor recomenda rigorosa fiscalização e a implantação de campanhas educativas em prol da coleta seletiva. Paulo Barreto sugere idéias inovadoras como a criação de uma área externa para eventos, como, por exemplo, desfile de moda com artigos de sulanca, implantação de um bondinho de época ligando o Bairro do Recife ao mercado e a implantação de um cartão fidelidade com a função de cartão de crédito, possibilitando descontos especiais para consumo no mercado e no entorno. Para atrair o turista, Paulo Barreto indica a divulgação da nova imagem do estabelecimento em outras regiões, e a criação de estímulos, como um cupom de visitação que daria ao visitante o direito de obter descontos na compra das mercadorias.
O diagnóstico está aí, as soluções também, basta que a administração do estabelecimento abra os olhos para cada uma delas e tome as devidas providências. Este senhor, o Mercado do bairro de São José, figura tão importante em nossa cidade, pede socorro discretamente, mas não silenciosamente.
Lívia Cajueiro
0 comentários:
Postar um comentário