Crônica sobre violência e mídia escrita em meados de 2007

Cultura do Medo.
A ameaça da violência mediada.

A Comunicação Social resolveu infletir para a Justiça e se autodenominou de “de denúncia”. Somos bombardeados pelo jornalismo policial que, parece, virou moda, aliás, tornou-se uma forma de garantir alguns pontos de audiência numa certa hora do dia.

Quantas gotas de sangue uma audiência vale? Será que tais “denúncias” estão gerando respostas positivas à sociedade? O que vemos são crianças viciadas em almoçar diante da “espetacularização” das mortes, dos assaltos, enfim, da violência e da criminalidade mediada. A impressão que temos é de que as pessoas estão andando com mais medo, a insegurança agora é uma das maiores causas do estresse. Vemos a prepotência dos bandidos ao aparecerem nas telas e ao perceberem que em muitos dos crimes não se consegue punir os culpados e, o que era para ser comunicação social, é agora meio de comunicação entre bandidos, é a própria apologia à violência.

As páginas policiais existem há muito tempo no país (detenho-me agora a televisão visto que tem maior influência popular que outras mídias), porém o conteúdo era passado de forma menos chocante, mas, de repente, eis que chegam os programas policiais para prolongarem o tempo de violência na TV além de todos os minutos já dedicados nos telejornais.

Em Recife, uma das cidades mais violentas do Brasil, impossível não se lembrar do baiano, Joslei Cardinot Meira que queria ser médico (médico legista, eu acho), comunicador social em Pernambuco desde 1982. Apresentava um programa voltado ao público jovem, chamado “Vôo Livre”, na Rádio Globo. Em meados de 2003, ganhou um programa semanal na antiga TV Guararapes – hoje TV Clube – o SOS Cardinot. Os pontos altos no IBOPE lhe deram o programa diário ao qual mais de 70% dos televisores ligados no momento o assistiam. No início de 2005, Cardinot leva seu glossário para a TV Tribuna (Cardinot na Tribuna – e todos os seus respectivos telespectadores também). Em dezembro do mesmo ano troca de lugar com J. Ferreira e migra para a TV Jornal.

Gravou bem estes anos? Confira agora o que aconteceu paralelamente: “crescimento de óbitos no Recife por homicídios, sobretudo de pessoas entre 15 e 29 anos”; “constatou-se que os homens morrem mais e matam mais. Estas mortes englobam casos de pistolagem, chacina, esquadrões da morte, motivos banais, entre outros”; “57% dos casos ocorrem em vias públicas, poucos em residências” segundo dados de estudos do Ministério da Saúde. Estes revelam ainda que “o medo tem levado à segregação social, a rua não é mais lugar de sociabilidade e que as pessoas tornaram-se aflitas e desconfiadas”.

Em relação a roubo de aparelhos celulares com ocorrências registradas na Capital e na Região Metropolitana do Recife (RMR), em 2003 foram 10.707 e 1.845, respectivamente. Em 2004, 12.832 e 4.262, enquanto que, só no primeiro semestre de 2005 já havia 6.037 ocorrências na Capital e 1.576 na RMR, pelos dados da Infopol. Um caso mais recente, o de Luciana Barros da Silva, doméstica, 28 anos, morta em sua residência no bairro de Jardim São Paulo, no dia 20 de março de 2007 com 12 tiros na cabeça. Segundo a Folha de Pernambuco dois homens de identidade não revelada efetuaram os disparos em frente à casa dela e terminaram de executá-la na cozinha, para onde correu tentando se esconder. O homicídio pode ter sido provocado por denúncias feitas num programa policial contra integrantes de uma gangue conhecida por ter cometido vários crimes no bairro e que a teriam espancado. Vizinhos, que não quiseram se identificar, disseram que Luciana foi induzida pela produção do programa a fazer as denúncias. Se Luciana foi induzida ou não, não se pode afirmar com certeza, o fato é que foi usada a mídia de denúncia e registrou-se mais um homicídio no Grande Recife.

Mas, chega de números. Vamos ser mais teóricos. Conceito de violência, segundo Michaud (1989): “há violência quando, em uma situação de interação, um ou vários atores agem de maneira direta, maciça ou esparsa, causando danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade física, (...) moral, em suas posses, ou em suas participações simbólicas e culturais”. “A morte revela a violência levada ao seu grau extremo. A intensidade dos diversos tipos de violência guarda uma estreita relação com o número de mortes que origina”. “As imagens divulgadas pelos meios de comunicação têm privilegiado a adolescência e a juventude como meio de produção da violência, como agressora, destacando seu envolvimento com a delinqüência e a criminalidade, com os tráficos de drogas e armas – o jovem como vítima prioritária da violência: tanto como agressor como agredido” – trechos de “Mapeamento da Violência no Recife” realizado pelo DATASUS/SIM (Sistema de Informações de Mortalidade).

Valdênia Monteiro, advogada e coordenadora de outro mapa sobre violência ressalta que “a imprensa apresenta uma taxa elevada de sub-notificação dos homicídios efetivamente ocorridos” e acrescenta: “os homicídios que mais chamam a atenção da opinião pública têm mais chances de aparecer no jornal do que outros mais comuns”. Neste mesmo mapa consta: “enquanto a política de segurança for vista como problema de polícia, dificilmente o Brasil sairá do ranking da criminalidade”. Luiz Carlos Magalhães, agente de Polícia Federal/PE cita o professor doutor Dantas: “(...) a mídia é fonte de informações sobre o crime a violência (...). A maior parte da comunidade é constantemente exposta a informações sobre crimes problemas (homicídios, seqüestros, roubos, furtos) e outros delitos não tão freqüentes, mas de grande impacto social pela violência com que são perpetrados (...)”. Luiz Carlos afirma que “combater essa mazela em Recife passa por campanhas de conscientização e mudança de cultura do povo pernambucano”.

Jornalistas, Policiais e Bombeiros Militares, Civis e representantes da Polícia Científica lotaram o auditório do Marante Plaza, no último mês, para participarem da palestra do professor François Renné, cujo tema foi “A Política de Comunicação Social para Organismos Policiais”. Eu realmente gostaria de saber o resultado desta solenidade, entretanto as informações não estão disponíveis. Por que será? Alguma dúvida de que há o dedinho da mídia nesta história? Como o mundo do mercado ensina: enquanto houver um consumidor haverá sempre um fornecedor. Será que o intuito destes programas é mesmo “resolver broncas”? Será que não está na hora disso acabar? É preciso dar mais valor à vida. É preciso zelar pela nossa saúde. A sociedade precisa almoçar com mais qualidade, cultura, cidadania. Precisamos resgatar a paz e dizer que nenhuma gota de sangue mais vale uma audiência. Vamos dar um basta para essa cultura – a cultura do medo.


Lívia Cajueiro

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