Parto

Foi um corte na barriga, mais profundo do que parece. Atingiu o coração, atravessou a linha da vida. Por ele saiu um ser para viver e escorreu outro para morrer todos os dias.

Foi um corte mais profundo do que parece. Não há um dia que não haja dor e uma vontade incontrolável de chorar, de se esvaziar em lágrimas tentando se encher de esperança. Mas a esperança não vem. Na verdade, ela foi embora, fugiu no primeiro rasgão da carne, juntamente com a felicidade.

Foi um corte mais profundo do que deveria ser. Abalou a mente, acabou com o equilíbrio, abriu as portas para o caos, que se instaurou sem pedir licença, sem ter pena, sem dar espaço para o consolo.

Foi um corte mais profundo do que deveria ser. Deixou uma marca na pele e uma ferida na alma, que não fecha. Uma ferida que é magoada com frequência, sem piedade, principalmente por meio de palavras. Ela dói no frio da noite, mas também no calor do dia, ela dói, não importa a hora ou a estação.

Foi um corte profundo, muito além do que se pode ver ou apalpar. Na verdade, suas consequências são difíceis de ser percebidas por outras pessoas, apenas o ser dilacerado pode senti-las. Uma incisão violenta, irrecuperável, que priva da liberdade, que impede a vida de acontecer, mas que não dá a ela um ponto final, fazendo o sofrimento ser indissolúvel.

Nativos de Virgem ♍

Virginianos são problemáticos. Sim, não há ninguém que se cobre mais que um virginiano. Essa busca incessante pela felicidade plena, pelo perfeito, pelo impossível cansa e faz com que as forças que deveriam servir para correr atrás de um sonho sejam direcionadas para uma sucessão de levantes após tantas quedas.

Virginianos são chatos e têm todo direito de ser, ninguém mais é tão tolerante e capaz de achar paciência onde já não existe quanto os virginianos, além de serem detalhistas ao extremo, e isso também cansa! Pensamos em nós, mas às vezes pensamos mais nos outros, então deixa a gente ser chato mesmo, a gente só sabe viver assim.

Virginianos são exigentes porque são intensos, sentimos muito por quem não é!

Somos organizados? Meu bem, você não sabe a bagunça que tá aqui dentro e quanta dor ela causa. Não sabemos ser falsos, mas precisamos manter as aparências...

Somos inflexíveis? A vida exige praticidade, então não enche o saco! Mas sabemos ser empáticos e essa é uma grande virtude, você deveria nos amar mais por isso!

Virginianos são controladores. Sim, o mundo já tá muito desgovernado pra largarmos a direção das nossas coisas.

Somos céticos, mas me diz aí: quem é que gosta de frustração, hein?

Somos precavidos, protetivos, somos virginianos, nascemos em agosto, o mais sombrio dos meses, e estamos sobrevivendo.

No fundo, somos só amor, você não vai se arrepender de nos ter por perto.

Essência elementar

Eu quero me esconder nas nuvens cinza da serra
E escorrer pelas quedas d'água
Despejar o fluido frio e doce pela garganta
E evaporar

Flutuar até pousar numa folha verde
Surgir como a gota de orvalho que vê uma borboleta voar
Sentir o cheiro das flores
Rosas, roxas, laranjas, amarelas
Subir um pouco mais e chover

Cair no azul mar
Afundar, serpentear na correnteza
Fechar os olhos
Sentir o sal em minha boca
E descansar entre recifes pintados,
Ensolarados

Abrir os olhos e deslizar com o vento na superfície clara
Voar em direção ao horizonte
Encontrar uma corrente de ar
Ver de cima o mundo inteiro
E nunca mais acordar

Esquecer que sou carne
Sou apenas pó
Molecular
Desintegrar

Receber as boas-vindas da terra quente
Aquecida pelo fogo nunca alcançado
Nessa hora eu sou semente
Que se lembra que ainda é preciso tocar as estrelas
E, assim, quero germinar
Conhecer o que significa recomeçar

Retrato

Um ar sutilmente leve.
Uma leveza sutilmente triste.
Uma tristeza sutilmente cruel...

(27/07/2011)

Ela quer

Ela quer que a noite termine. Que a distância comece.
Quer que a ilusão se oculte. Que a realidade venha à tona.
Quer só um pouco de felicidade palpável, do tipo inabalável.
Do tipo verdadeira. Com segurança, sem fingimentos.
Ela quer saber se aquele sentimento de liberdade acontece mais de uma vez na vida
E se eles ainda vão amá-la quando derem de cara com ela
Com ela 100% verdadeira, como não pode jamais ser.
Ela quer, ela quer, ela quer.
Ela nada poderá ter.

Escrito em 30 de junho de 2012.

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Porque essa vida é única e breve... Releve.
Esqueça o orgulho, a vaidade
Corra, mate a saudade
Entre você e o espelho deve haver sinceridade.

Inverno em mim

Chove no horizonte
Isso é só o que eu consigo ver
O que fazer para mudar tudo?
O que não fazer para tudo mudar?
Há muitas coisas para entender

Vejo que minha vida está acabando
Quando todos dizem que está apenas começando
No espelho eu não gosto do que me tornei
Estamos no inverno, eu sei
É mais uma fase dentro de mim

Ingredientes

A receita da minha felicidade é simples:

- pizzas bem caseiras com bastante orégano
- frutas vermelhas
- salada de frutas
- biscoitinhos
- creme de leite
- café com leite
- queijo derretendo
- torradinha crocante
- sorvete
- chocolates
- aromas frescos pela casa
- flores
- brisa
- almofadões
- filmes
- bom livro
- música
- viagens
- fotografar por diversão
- escrever por prazer
- boas risadas
- exercícios até suar, até cansar
- banho bom
- roupa limpa
- beijos, carinhos, abraços e etc.
- eu e você.

Tudo isso na minha vida por muitas horas distraídas.

Sensação de vazio...

"A quase indefinível sensação de necessidade e carência foi descrita pela filosofia, pela psicologia, pela literatura. "Na mitologia grega, a mãe de Eros, o desejo, é a Penúria, a falta. Sabiamente, os gregos colocavam a carência como a origem de tudo que desejamos na vida. Para eles, esse gosto de escassez, de insuficiência, de insatisfação é a grande faísca que dá partida às nossas ações, planos e sonhos", diz a professora de mitologia Helenice Hartmann.

Com base nessa nova consciência, é possível, então, uma regulação mais equilibrada de nossos desejos: já sabemos o que os origina, e assim podemos administrá-los melhor. Se admitimos que essa falta jamais será preenchida com as ilusões do universo material, ou mesmo emocional, vamos abrandar a fome com que nos atiramos às pessoas e às coisas.

"Não se trata de suprimir o desejo, mas de transformá-lo: de desejar um pouco menos aquilo que nos falta e um pouco mais aquilo que temos; de desejar um pouco menos o que não depende de nós e um pouco mais aquilo que de fato depende", sugere o filósofo francês contemporâneo André Comte-Sponville.

O psicanalista francês Jacques Lacan se aprofundou no tema no século 20. Ele afirmava que esse vazio primordial alimenta a procura do homem por sua própria verdade. Portanto, para Lacan, a falta não é, em si, negativa ou indesejável, mas o poderoso estopim de uma busca interna que pode se tornar reveladora.

Portanto, a esperança primordial, aquela que alicerça todas as outras esperanças que habitam nosso coração, é nossa vontade de conseguir preencher esse vazio que nos consome. Por isso mesmo, os estoicos desconfiavam muito dela. "Esperar um pouco menos, amar um pouco mais", propunha essa antiga corrente de filosofia da Grécia. Em outras palavras, mais ação e menos expectativas.

Viver entre a esperança de ter, ou ser, e o medo de não ter, ou de não ser, pode se tornar outra forma de tortura. "O medo é a face complementar da esperança. Temos esperança porque, no fundo, temos medo de não ter nosso desejo satisfeito. Esperamos que ele se realize, mas temos medo de que ele não se realize", diz indo direto ao ponto a monja budista americana Pema Chödron.

Em resumo, para não sofrer tanto com as expectativas, é necessário aceitar a vida como ela é, e reconciliar-e consigo mesmo. "É possível fazer planos, é claro, mas não depender disso para ser feliz. A felicidade está dentro de nós, e não fora, no outro, no futuro ou em outras circunstâncias", diz Pema. Ao constatar isso, já fica mais fácil nos livrarmos de outra forma de sofrimento ocasionado pela falta: a inveja."

Revista Vida Simples

Fritz Dobbert

Aqui estou eu outra vez olhando suas fotografias
Eu mesma as capturei
Naqueles instantes não fazia ideia do quanto que olharia para elas

Dias depois estava novamente a te ouvir
Eu não imaginei que iria desejar tanto isso
Não hesitei de insistir em procurar seu olhar

Mas seus encantos me atraíram além de voz e violão
Os embalos de uma dança me lançaram mais profundamente nessa fascinação
Até descobrir alguns detalhes de sua vida que me fizeram fugir

Já estava esquecendo de tudo que gostaria de sentir
Mas aí sua voz reaparece, no telefone
Pronto, estamos em contato permanente, repito, por telefone

Uma promessa não cumprida e me pego decepcionada
Mas aí você me surpreende
Estou te ouvindo ao longe e você está fazendo o que, até agora, te vi fazendo de melhor

E já é madrugada
Um Fritz Dobbert branco sendo dedilhado
E a sua bela voz a me fazer voltar a sentir o que eu já havia desistido de viver

Aqui estou eu tentando não me apaixonar
Tentado não me deixar levar
Pois você ainda é incerteza

A música e as palavras que tenho ouvido acariciam o meu coração
Talvez você nem saiba disso
Você tem me feito tão bem...

Você tem um lindo olhar, um sorriso tímido, um jeito único
Você tem aparecido de surpresa durante o meu dia
Você tem frequentado meus pensamentos mais do que deveria

Mas tenho recebido alertas da minha razão:
Segurar sorrisos, impulsos e olhares
Tenho que ter cuidado com essa paixão

Escrita em 31 de dezembro de 2011