As Crônicas de Nada - 5ª Crônica

V - A Estrela de Barro

Ela é uma boneca de barro que ganhou alma para ser personagem de um filme, uma animação, um tanto desanimada...

Ela anda pelas ruas com suas sapatilhas e uma flor na cabeça. Enquanto caminha, sente o vento em sua tez e se pergunta se ela é uma flor ou uma borboleta, lembrando que um dia já foi até estrela. Ela continua andando, parece flutuar...

Pensava assim: “Não sei se sou flor, não sei se sou borboleta. Borboletas foram feitas para voar, mas estou parada, como uma flor... Sendo flor, murchei no inverno e renasci na primavera. Sendo borboleta, estive me distanciando, já há várias estações, de um jardim que não era bem cuidado. Tentei voltar para esse jardim, mas fui expulsa de lá. Hoje estou sem voar, só observando a movimentação ao meu redor, ou esperando por um vento que me leve embora para onde não sei... Prefiro me enxergar como flor. Meu talo foi envergado por suportar um grande peso, um terrível fardo, por se contorcer de tanta dor, mas o Criador não me deixou quebrar e refez as minhas pétalas em plena primavera, antes mesmo de tudo isso passar... Dizem que as borboletas sempre voltam para o mesmo jardim... Não sei se quero voltar outra vez para o jardim de onde fui expulsa quase que duas vezes.”

Desistiu de se definir como borboleta ou flor. A boneca de barro quer ser chamada de estrela...

Em sua vida Deus é o cineasta, o autor desse filme, mas também é ator, diretor, figurante, e às vezes é apenas um espectador.

Ela ganhou alma e raciocínio e aprendeu a problematizar as suas dúvidas... Quem diria que essa bonequinha age racionalmente?

Seu batom vermelho se une aos traços negros dos seus olhos e denunciam uma menina vestida de mulher; alguém que codifica seu exterior enquanto se desdobra para decodificar o seu interior. Ela começa a ponderar seus sentimentos, a frear seus impulsos, a ouvir seu coração, mas filtra o que ele diz e até o cala quando necessário. Lutar contra um amor inútil não é nada fácil.

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