Um dos ofícios mais antigos do mundo, a prostituição envolve questões de machismo e liberação feminina
Hospitalidade para os caldeus, sagrada para os babilônios e até necessária na preservação do lar para os católicos medievais. A prostituição existe desde tempos remotos, mas sempre possuiu em comum a relação mercantilista de troca. Ela é uma alternativa momentânea à quebra da disciplina e também um meio de sobreviver para quem a exerce.
A figura da mulher, na maioria das sociedades do mundo, sempre foi idealizada com uma aura de pureza. A mulher vivia para o marido e para a família. Questões morais estabeleceram a fidelidade no casamento, o que normatizou a sexualidade das pessoas. O prazer permitido era o prazer privado, o do lar, extremamente pudorizado. O que fugia disso era ainda tido como impuro. Era nesse contexto que os homens viviam suas fantasias, seus desejos proibidos, nas boates, bordéis e até nas ruas. A instituição da mulher comum quebrou este tabu do exclusivismo e permitiu-lhes ter relações com quem quisessem. Depois desse fato a prostituição ganhou força e é, como sabemos, como um negócio, um comércio qualquer, um fenômeno urbano que traz consequências sociais e políticas.
Segundo a antropóloga Maria Cecília Patrício, em entrevista coletiva a alunos do 4º período de uma faculdade particular do Recife, é esse sentimento de culpa (por estar fazendo algo pervertido ou promíscuo) que leva à violência. O cliente transfere a culpa para a prostituta, travesti ou garoto de programa, alegando que ela (ou ele) despertou o desejo no cliente. Daí vem a homofobia, a transfobia, a violência de gênero. "O outro é sempre o culpado pelo desejo", explica.
Ainda hoje as profissionais do sexo fazem a iniciação sexual de muitos jovens. Já os homens procuram nestas profissionais a oportunidade de extravazar o desejo, de viver fantasias ou fetiches sexuais de uma forma imediata. Isso ocorre, principalmente, quando não se tem alguém para fazer sexo, ou também quando, por uma educação repressora referente à sexualidade, esse homem e sua parceira têm um modelo de relacionamento em que não cabe o compartilhar de suas fantasias sexuais, a possibilidade de ousar. Para a antropóloga Maria Cecília, todos os tipos de homens procuram prostitutas, não apenas os mais jovens ou casados. Além disso, mulheres, em menor escala, também procuram programas com homens.
A prostituição masculina, incluindo travestis, é outra forte realidade no âmbito da prostituição. A grande clientela desses garotos é composta por homens homo ou bissexuais, que buscam prazer e diversão com o sexo, nesse caso, pago. "O nordestino é um grande consumidor da prostituição, apesar de negar isso para manter a fama de 'cabra-macho'. Eles procuram, em grande parte, a prostituição masculina, sobretudo travestis", esclarece a antropóloga.
Quando questionada sobre o porquê de os travestis ("As travestis! As Travestis! Elas são femininas!" - bradou Maria Cecília) procurarem a prostituição , ela respondeu: "Elas não conseguem trabalho que não sejam em salões de beleza, shows ou serviços gerais por preconceito das empresas. É por isso que se prostituem."
A cada ano centenas de mulheres são traficadas para a indústria do sexo em todo o mundo. O caso mais famoso é o da Espanha. Segundo a antropóloga, que fez várias pesquisas por lá, o dia inteiro é voltado para o trabalho. Pode-se considerar escravidão. As práticas são opressivas e incompatíveis com os Direitos Humanos consagrados universalmente. É nesse aspecto que se debate sobre a legalização da prostituição como profissão, como emprego com todos os direitos garantidos.
Maria Cecília é a favor da legalização e diz porquê: "A prostituição é um atividade remunerada que não deixará de ser procurada. quando envelhecem, as mulheres não têm seguridade social, apesar de no Ministério do Trabalho a prostituição já estar listada como profissão, mas não legalizada como atividade profissional. A única opção hoje é apresentarem-se como autônomas."
Mas há correntes contrárias. As Feministas, por exemplo, relacionam a prostituição com o menosprezo ao sexo feminino nas sociedades, exemplificado no mercado de trabalho atual. Por esse motivo são categóricas: "O movimento feminista não pode tolerar a legalização da escravidão sexual. É necessária uma transformação profunda da sociedade e, sobretudo, a tomada de consciência por parte das mulheres, para sermos donas dos nossos próprios corpos e contrárias a qualquer tipo de exploração, incluída a sexual. Com a revolução feminista, emergerá uma sociedade em que a prostituição não terá razão de ser."
A discussão sobre prostituição vai longe, mas a figura da mulher sempre será a mais prejudicada e assolada pelo preconceito da sociedade. Muitos dizem que a prostituta vende o seu corpo porque gosta e que se trata de um trabalho vocacional. A maioria das mulheres procura escapar da pobreza, da violência e da falta de oportunidades, mas, uma vez sob o controle de cafetões, são apanhadas pela prostituição por coação e violência física. Elas não são livres. Nem as pobres, nem as ricas. Tanto as prostitutasde rua, bares e clubes, como as de luxo, estão controladas por cafetões, os principais beneficiários do negócio. Com a legalização, as prostitutas ganhariam seguridade social, em contrapartida, as máfias que controlam a prostituição atuariam com maior impunidade.
Se a prostituição é uma atitude incorreta ou não, não cabe a nós julgar. A sobrevivência está além do bem e do mal. Ninguém entra numa empreitada cheia de riscos e perigos só por querer. Há vários fatores envolvidos, fatores esses que parece não interessar às autoridades, muitas vezes consumidoras desta atividade.
PROSTITUIÇÃO INFANTIL
A prostituição infantil é um crime de ordem pública, entretanto, é um mal presente em todas as partes do país, normalmente envolvendo o crime organizado que alicia menores para essa atividade.
Há uma discussão entre antropólogos sobre a fronteira entre o prazer e o perverso. Até que ponto o consumo da prostituição infantil é por prazer. Até que ponto é perversidade? Para Maria Cecília, a prostituição infantil é um fato em Pernambuco, e denuncia: "Há estabelecimentos que recebem a elite que consome às escondidas a prostituição infantil, para não correrem o risco de terem suas identidades sociais comprometidas. Depois retornam 'íntegros' ao lar, à família, ao trabalho".
ALÉM DAS RUAS
No Brasil, os internautas já podem acessar o Bitchmaps (mapeador de prostitutas), serviço que localiza a prostituição. O site é apresentaddo como um experimento de geotagging (indicações geográficas pela Internet), motivado pelos inúmeros endereços de estabelecimentos de prostituição citados por um guia on-line de garotas de programa. Usuários de i-Phone também podem acessar os mapas. As cidades cobertas pelo serviço são Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Londrina, Campinas e Belo Horizonte.
Lívia Cajueiro
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