As Crônicas de Nada - 3ª Crônica

III - O lugar vazio

Era uma vez (e muitas vezes acontece), num lugar deserto e distante (mas também ao nosso redor), um homem comum decidiu seguir em direção a outro lugar. Tomara esta decisão, pois não aguentava mais a vida sofrida que levava, embora não tenha sido sempre assim; as coisas mudaram rapidamente em sua vida.

Sair de onde vivia não era fácil: o lugar agarrava seus pés como a terra agarra as raízes de uma árvore. Mas há árvores que procuram mergulhar na terra, já outras apenas se alastram superficialmente: o vento sopra forte em sua copa e o tronco, balançando, parece querer correr dali e dessa forma as raízes vencem a batalha e se libertam. Mas essa não é uma história sobre árvores e sim sobre humanos.

Vencida a guerra contra sua terra, o homem comum saiu em direção ao horizonte esfumaçado. Nem percebeu que deixara para trás algo de que não poderia jamais se desfazer, algo que o acompanhava desde sua infância, caso contrário, sua alegria seria limitada. Mesmo assim partiu. Caminhava para onde seus olhos pudessem enxergar, parecia sem direção, mas sabia onde queria chegar, pois tinha sonhos com aquele lugar e muito já havia ouvido sobre ele.

A caminhada parecia não ter fim, mas desistir e voltar atrás não eram pensamentos que tomassem espaço em sua mente, pois sabia que existia, em alguma parte, este lindo lugar, repleto de flores, frutos, águas límpidas e calmas - uma nova terra em que poderia fincar suas raízes e finalmente descansar, viver em paz.

Houve um momento, numa noite fria e sem luar, em que os pés do homem comum, já bem cansados, começaram a tropeçar. Seus olhos, já sem esperanças, encheram-se de lágrimas. Parou, lançou-se à areia ainda quente do sol, e chorou sem consolo. Chorou, chorou até se lembrar de que algo estava faltando. Sentiu a ausência daquilo de que jamais poderia se desfazer. Mas não havia nem forças e nem mantimentos suficientes para retroceder em sua viagem. E em meio às lágrimas que já deixava a areia úmida, adormeceu sob as luzes que os raios formavam no céu. Um espetáculo gracioso.

Ao acordar com o forte brilho do sol, o homem comum pensou ainda estar dormindo: avistava um lindo horizonte, cheio de cores, pássaros voando e um lindo rio que passava por bosques de árvores frutíferas e frondosas. Passou a mão fortemente sobre os olhos que, após abertos, arregalaram-se. Não estava sonhando, estava às portas do seu tão desejado destino, e quando foi se pôr de pé para correr e finalmente chegar àquela terra, faltou-lhe forças, faltou-lhe alegria.

Caminhou lentamente, pisoteou as primeiras gramíneas e começou a observar aquele lugar. Não havia árvores, não havia céu azul, não havia animais, nem pessoas, nem água - era um lugar vazio. O homem comum postrou-se diante daquela visão e gritou no meio do nada... Nem pôde ouvir o som da sua voz, mas o seu pensamento ecoou longe, como se estivesse lembrando de alguma coisa. Levantou-se, deu uns cinco passos para trás e começou a enxergar tudo novamente como era. Notou um objeto próximo a seus pés. Apanhou-o. Era um pequeno candelabro de ouro. Viu próximo a ele mãos que haviam se esforçado para segurá-lo como pela última vez, porém, eram apenas ossos secos, cobertos pela areia do deserto. Afastou-se daquela coisa terrível, mas não largou o objeto.

Sentiu que sua força começava a voltar e seu coração não estava mais pesado e dolorido. No candelabro havia uns escritos, letras delicadamente desenhadas no ouro. Não conseguia entender, pois não estava em seu idioma, mas lembrou-se imediatamente das palavras que havia escrito naquilo que deixara para trás. Eram estas:


Se você não estiver comigo, por favor, não me deixe sair daqui.
Só a sua presença é que pode me fazer feliz.
Jamais haverá cor e luz sem a sua presença.


Após isto, olhou novamente para os ossos e teve a certeza de que aquele era o seu fim: lançado no pó, encoberto pelo deserto. Pisoteou mais uma vez a grama verde e tomou um susto! Havia árvores, havia céu azul, pessoas, água - não era mais um lugar vazio. E também havia animais, animais grandes que vinham agora correndo em sua direção, raivosos, famintos. "Esse é o meu fim, agora serei apenas ossos!", pensou cerrando os olhos (mais uma vez o homem comum perdia um verdadeiro espetáculo por estar com os olhos fechados!). O sol havia iluminado de tal forma aqueles dizeres no candelabro de ouro que estava em suas mãos que os animais saíram em disparada, ofuscados.


O homem comum permaneceu uns dez segundos com os olhos apertados, esperando pelas mordidas que o matariam. Abriu lentamente um dos olhos, sentiu uma brisa acariciar o seu rosto... O lugar onde estava era inacreditavelmente lindo. O candelabro ardeu em suas mãos e em seus ouvidos havia um sussurro que dizia:


Sei que você precisava sair dali.
Sei que precisava chegar até aqui.
Sei que em seu coração você não me esqueceu, por isso sempre estive contigo e te deixei ir.
Minha presença é o que te dava forças para caminhar e te fazia feliz.
Você sempre teve a certeza de que jamais haveria cor e luz sem a minha presença, mas eu estou aqui.
Entre, pois este é o lugar que preparei para você firmar suas raízes.
Isso não é um sonho.
Seja feliz.
Eu estou aqui!


Lívia Cajueiro

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