A Copa que não sai da cabeça

Acompanhar os jogos da Copa do Mundo é emocionante. Assisti-los bem de perto, é inesquecível! Flávio Domingues, um dos principais especialistas sobre Copa do Mundo em Pernambuco, sabe bem o que é isso.

Antes que Pernambuco fosse escolhido como um dos Estados a receber os jogos do mundial, Flávio já acreditava no potencial dos nossos municípios e destacava Pernambuco como o destino possivelmente mais animado da Copa 2014.
Tanta confiança assim não é aleatória. Flávio tem bagagem, tem viagem! Engenheiro civil, especialista em Relações Internacionais e especialista em Marketing Cultural e Turístico, já foi Cônsul Honorário da Áustria para Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Atualmente, é Gerente de Turismo de Jaboatão dos Guararapes. Mas foi presenciar um evento grandioso como este que o respaldou a vislumbrar a Copa 2014.

A última competição mundial de futebol do século XX foi a que trouxe mais novidades: 64 partidas foram protagonizadas por 32 equipes (e não 24 como de costume). Este espetáculo teve a maior repercussão da mídia na história do futebol e estádios lotados, com média de público de 44 mil torcedores por jogo.
Viaje com a gente até a França, em 1998, nesta entrevista com Flávio Domingues.

LÍVIA CAJUEIRO - Pra você era um sonho ir a uma Copa do Mundo?

FLÁVIO DOMINGUES - Para todo brasileiro, acostumado desde criança com o futebol, a Copa do Mundo é um desejo quase que cultural. Lembro do evento de 70 quando, ainda muito criança, meu pai me levava para assistir todos os jogos na casa do meu tio Moacir. Mesmo sem entender o que acontecia na TV, eu nunca esqueci a emoção com que meu pai e meus tios comemoram as vitórias do Brasil e o tricampeonato. Pra mim foi um sonho que consegui realizar.


LC - O que te levou a assistir o mundial de 98?

FD - Eu era distribuidor da Canon do Brasil em Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas. Na época, a empresa japonesa Canon era patrocinadora máster da Copa da França. Dez mil pessoas do mundo inteiro foram convidadas a viajar com tudo pago para assistir o mundial. Por ter obtido o terceiro melhor desempenho de vendas no país, fui um dos convidados. Não pensei duas vezes!


LC - O que te fez, enquanto turista, se sentir à vontade num país estrangeiro no meio da competição mais importante do futebol?

FD - Era comum ver brasileiros por todo lado, encantados com o Mundial, e a natural afinidade entre brasileiros e franceses, fez com que nos sentíssemos em casa. Para se ter uma ideia, numa das primeiras vezes em que fomos para a Av. Champs-Élysées, um guarda parou o trânsito para orientar nosso grupo sobre como chegar ao local que queríamos ir. Todos estavam vestidos com a camisa da Seleção Brasileira. Lembro-me que em La Baule, na Normandia, onde nos hospedamos quando o Brasil jogou com a Dinamarca, ao voltarmos do jogo fomos comemorar a vitória do Brasil numa boate. Assim que nos viu, o Leão de Chácara pediu que entrássemos, deixando para trás uma fila com mais de 100 pessoas. Dentro da boate todos vinham nos parabenizar e recebi várias propostas para vender a minha camisa da Seleção.


LC - Quais os lugares em que esteve?

FD - Estive na França para assistir três jogos: Brasil x Dinamarca, Brasil x Holanda e França x Croácia. A programação organizada pela Canon nos colocou em locais extremamente privilegiados.


A primeira cidade em que estive foi La Baule, um balneário encantador no norte da França, algo como Búzios, no Rio de Janeiro, acerca de 140 km de Nantes, onde o Brasil jogou com a Dinamarca. Fiquei hospedado no Hotel Hermitage, cuja arquitetura era dos anos 30. Lá, de brasileiros havia apenas o nosso grupo. Os outros turistas do hotel eram todos dinamarqueses, noruegueses e holandeses.
Depois fomos para o sul da França, acompanhando a Seleção, e seguimos para Cannes, aguardando o jogo do Brasil contra a Holanda, que aconteceria a 100 km de distância, em Marseille. Em Cannes ficamos no Hotel Noga Hilton, bem pertinho do Palácio dos Festivais e de frente para o Mar Mediterrâneo da Cote D’Azur francesa. De lá partimos para vários passeios desde Mônaco, passando por Nice e Saint Tropez. Quando o Brasil ganhou da Holanda, finalmente fomos para Paris e de lá, mais passeios – fomos levados para conhecer os principais atrativos turísticos do lugar.


LC - Você assistiu a todos os jogos da Copa em campo?

FD - Fiquei em Paris até o dia anterior à final. Como não possuía convites para a decisão, tentei ainda comprar em cambistas, mas como a França iria jogar, havia poucos ingressos à venda e os preços eram exorbitantes. Peguei um trem para Zurique e assisti a fatídica derrota, ao lado do nosso amigo suíço Pablo Stahli, em uma espécie de Funfest, montada pela Varig e por alguns patrocinadores locais. Choramos juntos. Os outros jogos de que falei, estive no campo e muito do que tenho falado sobre Copa do Mundo vem dessas experiências que vivi na França.

Funfest em Zurique

LC - Que personalidades avistou por lá?

FD - Era comum encontrar personalidades nos locais que frequentei. Como participava de um grupo de convidados de uma multinacional, as programações eram feitas em locais onde outros convidados da FIFA também estavam. Foram muitos jogadores antigos, dirigentes, artistas e até mesmo reis e príncipes. Em Nantes, por exemplo, encontrei a família real dinamarquesa antes do jogo. No hotel, em Cannes, convivi por seis dias com um dos filhos do rei da Arábia Saudita, que alugou dois andares do hotel para sua comitiva composta de amigos e muitos seguranças armados de metralhadora o dia inteiro, em cada porta do hotel. Da janela do salão de jantar avistávamos a corveta da Marinha Americana, o tempo todo ancorada bem em frente ao hotel, que fez um desfile em homenagem ao príncipe saudita e comemorou o quatro de julho americano.

Flávio com a bandeira do Brasil apreciando a vista do Noga Hilton. Ao fundo, a Corveta americana

LC - O que viu de mais curioso?

FD - A experiência na França está sendo muito útil agora que estou ministrando palestras e planejando ações para Copa no Brasil. A programação turística organizada pelos franceses garantia atrativos praticamente 24h por dia. O povo francês, tradicionalmente arredio ao turismo, integrou-se à festa e participou ativamente, oferecendo uma grande recepção, principalmente para nós brasileiros. Também ficou marcada a preocupação com segurança e organização para receber as torcidas nos dias de jogos. Em Nantes, por exemplo, na região central da cidade, foi montado um grande centro de atividades que incluía, além de restaurantes, lojinhas de souvenir, várias quadras de vôlei de praia que, diziam os franceses, foram feitas com a areia da praia de Copacabana. Isso me faz refletir o potencial que Pernambuco tem para promover atividades para o visitante. A Copa do Mundo no Brasil acontecerá no período de São João e só isso já garantiria vasta programação. Mas temos que aproveitar o momento para mostrar também outros produtos turísticos. Uma Paixão de Cristo seria algo muito bom para promover o evento e trazer turistas no futuro.

LC - O que foi inesquecível?

FD - O clima de Copa do Mundo, a convivência com gente de todo o planeta e a alegria de estar, pela primeira vez, assistindo aos jogos que costumava assistir pela TV foram inesquecíveis. Quando estava no campo, sempre lembrava da minha família reunida em frente à TV, torcendo pelo Brasil. Sem dúvida isso é inesquecível!


LC - Quais as decepções?

FD - Difícil lembrar! Foi tudo tão bonito que a única coisa de que lembro que desagradou foi não ter conseguido ingressos para final. Se bem que isso terminou não sendo tão ruim, pois não precisei viver a agonia da derrota dentro de campo.

LC - Como foi encarar a derrota do Brasil para os anfitriões?

FD - No dia anterior ao jogo, ainda era muito comum encontrar franceses que torciam pelo Brasil. Quando descobriam que éramos brasileiros, nos incentivavam e tratavam o Brasil como virtual campeão. Isso não deve ter acontecido após o jogo. Para a minha sorte, já estava em Zurique e derramei minhas lágrimas com o amigo Pablo, tomando uma boa cerveja.



LC - Você acredita na possibilidade de o Brasil ter vendido o resultado jogo final?

FD - Não. Já fui atleta e convivi muito em campeonatos pernambucanos e não acredito que um atleta de nível internacional, que tem salários astronômicos, se passe para tal.

LC - O artilheiro da competição foi o croata Davor Suker, com 6 gols, enquanto o nosso Ronaldo fez apenas 4. Você acha que ele mereceu o título da FIFA de melhor jogador do torneio?

FD - Ronaldo foi decisivo nos jogos que assisti. Mas também vi Suker ao vivo jogando e ele carregou o time croata nas costas. Acho que ele que merecia ser o melhor da Copa, por ter desempenhado um papel tão fundamental num time que não era considerado favorito.

LC - Qual foi a jogada de mestre da França enquanto Sede da Copa?

FD - Em primeiro lugar, ter sensibilizado a população para a importância que o Turismo tem para a economia da França. Isso fez com que, durante a Copa do Mundo, além do bom tratamento recebido, os turistas se sentissem mais interessados em conhecer, em viver a França de forma intensa. Com certeza, os turistas deixaram mais dinheiro na França do que deixariam caso se sentissem mal tratados pelos franceses. Essa é uma jogada de mestre: atender a expectativa do cliente e obter o melhor retorno financeiro no seu negócio. O Brasil tem que pensar seriamente nisso. É importante lembrar que o perfil do turista frequentador de Copa do Mundo é bem diferente do turista que vem tradicionalmente ao país. Também não se pode esquecer que temos que atender diversas faixas de segmentos de consumo. Em 2014 haverá nas cidades muitas pessoas buscando serviços de alta qualidade, como aluguel de carros de luxo, helicópteros para passeios, restaurantes sofisticados. Para ter sucesso, temos que ofertar o produto adequado ao cliente correto.

LC - O Brasil está preparado para proporcionar uma experiência inesquecível ao mundo?

FD - O Brasil tem todas as condições culturais e naturais para proporcionar essa experiência, talvez até mais do que a grande maioria dos países que já realizaram uma Copa do Mundo. Ninguém duvida da receptividade do brasileiro nem do encanto que o Brasil gera na cabeça dos europeus, americanos e povos de outras localidades. Com uma Copa bem aproveitada, o Brasil pode se tornar de vez um dos principais destinos turísticos do mundo. Mas não conseguiremos isso sem um planejamento muito consistente e adequado à realidade de cada uma das Sedes. Não basta só investir na infraestrutura do país, o que é muito importante, mas não podemos esquecer de preparar o produto turístico, sensibilizar a população e, principalmente, aproveitar a geração espontânea da Copa, somada a uma promoção turística na mídia internacional, com campanha publicitária específica para o evento, que, sobretudo, concretize a imagem do país como pronto para receber o turista antes, durante e depois do evento da FIFA.

LC - O que a Copa traz de melhor a um país?

FD - Muito se tem sobre legado que a Copa deixará, como importantes obras que melhorarão a qualidade de vida do povo brasileiro, trazendo benefícios na mobilidade urbana, na melhoria dos aeroportos, das estradas, entre outras. Porém, gostaria de ressaltar outro aspecto. Segundo muitos especialistas em marketing, a marca de uma empresa, como a Coca-Cola, vale mais do que todos os ativos que são propriedade da corporação, por isso penso que o melhor que a Copa pode deixar para o Brasil é uma marca em nosso país. O Brasil ocupa hoje uma posição de destaque na economia e na política internacional, mas ainda é visto com muito ceticismo por alguns tecnocratas estrangeiros. A Copa pode ser a oportunidade de mudar essa imagem e fazer com que o mundo descubra que já começamos a ser aquele país que diziam que era o país do futuro. E não estou falando só de Turismo. O Brasil deve aproveitar a Copa do Mundo em outros campos. A Agência Brasileira de Promoção e Exportação está reunindo informações, convidando empresários dos segmentos mais diversos, para que o Brasil gere negócios apoiados pelo evento da Copa do Mundo. Quando estava na França, nos dias entre os jogos, a Canon organizava programações em que visitávamos fábricas, outras revendas, grandes clientes, tudo com o intuito de gerar negócios ao voltar ao Brasil. É preciso ter criatividade e nisso o brasileiro também é craque.

Showroom da Canon em Champs Elyseés

LC - O que trouxe de melhor pra você?

FD - A Copa da França deixou uma oportunidade fantástica. Naquela época eu era especialista em informática e nunca imaginaria que um dia aquela viagem de lazer serviria de ferramenta para a minha oferta de trabalho na atualidade. Estou juntando uma experiência prática de Copa do Mundo com minhas experiências em Turismo, Marketing Cultural e Engenharia para propor projetos para diversos clientes públicos e privados. Por si só, isso já seria muito importante.

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